Justiça Eleitoral cassa registros de candidatos eleitos em Poxoréu por compra de votos

Justiça Eleitoral cassa registros de candidatos eleitos em Poxoréu por compra de votos

(Cuiabá/MT-30/10) A juíza da 5º Zona Eleitoral de Poxoréu, Aline Luciane Ribeiro Viana Quinto, decidiu hoje (30/10) cassar o registro da candidatura de Ronan Figueiredo Rocha, do PMDB, vencedor das eleições para o cargo de prefeito do município de Poxoréu, com 5.863 votos. A sentença foi originada de uma denúncia anônima de que o candidato a vice-prefeito, Osmar Resplandes de Carvalho, e o atual prefeito da cidade, Antonio Rodrigues da Silva, teriam oferecido “quitar” a divida de um eleitor em troca dos votos da família endividada. O Ministério Público, diante dos fatos, ofereceu representação contra a chapa vencedora, pedindo a cassação dos registros das candidaturas.
 
Mesmo sem concluir a negociata com o eleitor - que rejeito a proposta dos candidatos que prometeram repassar a quantia somente após as eleições, ou seja, no dia 06 de outubro – a oferta de dinheiro em troca de votos, testemunhada também pelos filhos do eleitor, foi suficiente para caracterizar o crime eleitoral. Sobre os depoimentos do eleitor e seus 2 filhos, a juíza declarou na sentença que se deparou “com um testemunho sereno e seguro, e que os eleitores sequer perceberam a situação humilhante a que foram submetidos”.
 
Na defesa, o atual prefeito do município confirmou ter procurado o eleitor ouvido pela Justiça Eleitoral, mas somente para “saber” da divida que o eleitor teria com o hospital regional de Rondonópolis.Esse fato, conforme consta na decisão, causou estranheza ao Ministério Público Eleitoral, pois, na condição de prefeito, bastaria a autoridade solicitar informações ao hospital,que realiza atendimentos pelo SUS.
 
Além da cassação, a juíza também aplicou multa de 5000 UFIRs.
 
Os candidatos podem recorrer da decisão no TRE.
 
Confira a íntegra da decisão:
 
Processo n. 159/2008
Representação Eleitoral
Representante: Ministério Público Eleitoral
Representados: Ronan Figueiredo Rocha e Osmar Resplandes de Carvalho
 
Vistos etc.
 
Cuida-se de Representação eleitoral manejada pelo Ministério Público Eleitoral em desfavor dos candidatos Ronan Figueiredo Rocha e Osmar Resplandes de Carvalho, ambos então pleiteantes aos cargos de prefeito e vice-prefeito deste Município de Poxoréu pela Coligação União por Poxoréu, vencedores da eleição nesses termos.
 
Consta da peça inicial que este Cartório Eleitoral recebeu, em data de 14 de setembro de 2008, denúncia anônima no sentido de que o candidato a vice-prefeito Osmar Resplandes de Carvalho, juntamente com terceiras pessoas, esteve na residência do eleitor João da Mata Lara, neste Município, indagando se o mesmo estava precisando de alguma “coisa”, oportunidade em que o munícipe referido respondeu que vinha passando por uma situação difícil, e que tinha um débito decorrente de doença de sua irmã no valor de R$ 1000,00 (um mil reais).
 
Menciona a petição inaugural ainda que, diante disso, o candidato Osmar Resplandes teria dito que conseguiria a quantia mencionada pelo eleitor caso toda a sua família votasse no candidato a prefeito da sigla do PMDB-15, o representado Ronan Figueiredo Rocha, que tem como vice o próprio Osmar. Este teria dito ainda que precisaria apenas consultar o Sr. Antonio Rodrigues da Silva, atual prefeito municipal de Poxoréu.
 
Narra ainda a inicial que, no dia seguinte, o eleitor João da Mata foi procurado em seu trabalho pelo candidato Osmar Resplandes de Carvalho e pelo atual prefeito desta urbe, Antonio Rodrigues da Silva, conhecido como “Tonho”, o qual lhe teria informado que, se toda a sua família votasse no candidato Ronan, ser-lhe-ia repassada a importância de R$ 1000,00 (um mil reais) no dia 06 de outubro de 2008. A proposta não teria sido aceita em razão de que a data do pagamento seria posterior ao dia da eleição, do que discordou o eleitor.
 
Após o recebimento da denúncia anônima no Cartório Eleitoral desta 5ª Zona, esta Magistrada determinou a intimação do eleitor a quem teria sido oferecido o valor, e colheu o seu depoimento, na presença do Ministério Público Eleitoral, o qual, em seguida, por meio de seu douto representante, ajuizou a presente representação.
 
Suscitando a disposição contida no artigo 41-A da Lei n. 9504/97, pugna o parquet para que, após o trâmite legal, seja conferida procedência a esta ação, impondo-se aos representados as sanções de multa e cassação de registros de candidatura ou diplomas. Arrolou testemunhas.
 
Após a devida notificação, os representados manifestaram-se, invocando, inicialmente, preliminares de inépcia da inicial e de ilegitimidade passiva ad causam do candidato Ronan Figueiredo Rocha. No mérito, negam a prática de qualquer das odiosas condutas descritas no artigo 41-A da Lei das Eleições.
 
Nesse último ponto, aduzem os representados que o candidato Osmar, após receber do eleitor João da Mata Lara informação de que este possuía débito junto ao Hospital Regional de Rondonópolis, que atende pelo SUS, levou mencionada notícia ao Prefeito deste Município, o qual, então, teria procurado o cidadão referido ante o descabimento dessa suposta dívida. Requerem, caso não sejam acolhidas as preliminares levantadas, seja conferida improcedência à presente.
 
Foi designada nos autos audiência para oitiva das testemunhas arroladas. Na oportunidade, foi deferida a participação da Coligação Força do Trabalho no feito, na qualidade de assistente. Dessa decisão, restou interposto agravo na forma retida, com a subseqüente manutenção de seus termos por este Juízo.
 
Após a produção da prova no feito, as partes apresentaram suas derradeiras alegações, vindo os autos, finalmente, conclusos para sentença.
 
Era o que tinha a relatar. Fundamento e Decido.
 
De início, passo à aferição acerca das questões preliminares invocadas no caderno processual em exame.
 
Prefacialmente, no que tange à alegação de inépcia da inicial, de plano constato sua improcedência.
 
Alegam os representados que o Promotor Eleitoral não teria considerado o teor do depoimento prestado pelo eleitor João da Mata Lara especificamente no que tange a destinação do dinheiro ao mesmo oferecido em troca dos votos de sua família. Argúem que, por conta disso, “não há conclusão lógica entre os fatos narrados pela suposta vítima e o conteúdo da Representação Eleitoral” (fls. 22).
 
Verifico, todavia, após leitura detida da peça vestibular, que os fatos são minuciosamente descritos de forma clara e inteligível, decorrendo de sua descrição, logicamente, a conclusão apresentada, no sentido da pretensão de que sejam aplicadas as sanções previstas no artigo 41-A da Lei das Eleições.
 
No que tange à destinação que o eleitor daria ao dinheiro recebido caso houvesse aceitado a proposta que lhe foi feita, é induvidoso que referido fato se mostra totalmente irrelevante para o deslinde do ilícito apurado, que se centra no oferecimento de valor em dinheiro em troca de votos.
 
Assim sendo, diversamente do que alegam os representados, em nada fere o direito ao contraditório e à ampla defesa o fato de constar da denúncia anônima que o dinheiro seria utilizado pelo eleitor para pagar serviços funerários e no depoimento do Sr. João da Mata Lara que seria para a quitação de serviços hospitalares.
 
Rejeito, por conseguinte, aludida preliminar.
 
Quanto à alegação de ilegitimidade passiva do candidato Ronan Figueiredo Rocha ante a suscitada ausência de indícios de sua participação direta nos atos narrados na inicial e averiguados neste feito, tenho que igualmente não merece acolhida por estar misturada ao próprio mérito da ação, devendo, nessa qualidade, ser analisada.
 
Passo, portanto, ao mérito da causa.
 
Em mãos, representação eleitoral intentada com fundamento no artigo 41-A da Lei n. 9504/97, in verbis:
 
Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. - destaquei
 
Cuida-se, portanto, de previsão de ilícito consistente na captação de sufrágio, mediante ação de mera conduta, sem qualquer necessidade de prova da potencialidade lesiva. Nesse sentido, colha-se a lição do eminente Marcos Ramayana:
 
“A potencialidade lesiva é necessária para a prova do abuso do poder econômico, mas não para a comprovação da captação ilícita de sufrágio. É suficiente que o candidato pratique o ato ilícito eleitoral definido na norma jurídica. (...) É prescindível, portanto, a prova do desequilíbrio do pleito ou da quantidade da doação, promessa, oferta ou entrega. Todavia, vige na hipótese, ao nosso pensar, o princípio da fragmentaridade aplicável ao Direito Penal moderno, ou seja, apenas uma parcela de bens interessa diretamente ao Direito Eleitoral, somente aquela capaz de afetar a moralidade das eleições, a ética eleitoral.” (Direito Eleitoral, 8ª Edição, Editora Impetus, p. 442).
 
Sobre a matéria, é conveniente colacionar ainda os julgados seguintes:
 
“Para a configuração do ilícito previsto no referido art. 41-A, não é necessária a aferição da potencialidade de o fato desequilibrar a disputa eleitoral, porquanto a proibição de captação de sufrágio visa resguardar a livre vontade do eleitor e não a normalidade e o equilíbrio do pleito, nos termos da pacífica jurisprudência desta Corte (Acórdão n.º 3.510).” (REspE n.º 21.248-SC). – destaquei
 
“Em se tratando de ação de impugnação de mandato eletivo, assente a jurisprudência deste Tribunal no sentido de que, para sua procedência, é necessária a demonstração da potencialidade de os atos irregulares influírem no pleito. Precedentes. Por outro lado, para a configuração da captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 41-A da Lei n.º 9.504/97, e para a tipificação do crime de corrupção (art. 299,CE), desnecessário aferir a potencialidade do ilícito para influir na eleição (Ag 4033-MG). Em se tratando de captação ilegal de sufrágio, esta Corte já assentou ser desnecessário o nexo da causalidade entre a conduta e o resultado do pleito“(AgReREspe n.º 20.312 – MG). – destaquei
 
“(...) no caso de captação de votos vedada por lei, não há que se indagar sobre a potencialidade de o fato influir no resultado da eleição, conforme já decidiu este Tribunal no julgamento do Recurso Especial n.º 19.553, na sessão 21/3/2002, que teve como relator o Ministro Sepúlveda Pertence”.(RespE 19.739-BA). - destaquei
 
Verifica-se, portanto, que, para a configuração da captação de sufrágio na forma do artigo 41-A acima transcrito, com a conseqüente aplicação das penalidades ali consignadas, pouco importa que se haja concretizado de fato o “negócio” envolvendo o voto, ou que tenha sido apenas oferecida a vantagem ao eleitor com a intenção de obter o voto em determinado sentido. O que se objetiva proteger é o eleitor, e não as eleições. Visa-se, com a norma em referência, resguardar a liberdade do voto do eleitor. Nesse sentir, leciona o eminente Professor Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira:
 
“(...) o art. 41-A não exige potencialidade do dano, como exige a AIJE (abuso de poder econômico), pois protege o eleitor, e não as eleições. Logo, uma única conduta de compra de voto, ainda que tentada, configura o ilícito cível-eleitoral.” (Tratado de Direito Eleitoral, Tomo IV, Editora Premier, p. 763). (destaquei)
 
Sob essa perspectiva, passo a apreciar o caso ora submetido à análise deste Juízo Eleitoral.
 
A partir de denúncia anônima apresentada junto ao Cartório desta 5ª Zona Eleitoral no sentido de que o eleitor João da Mata Lara havia sido procurado pelo candidato a vice-prefeito Osmar Resplandes de Carvalho e pelo atual chefe do Poder Executivo municipal, Antonio Rodrigues da Silva, para proceder à venda de seu voto e dos votos de sua família em troca de certo valor em dinheiro, foi aquele cidadão intimado a comparecer no Fórum local para ser inquirido sobre os fatos.
 
Na oportunidade, o eleitor em referência confirmou todo o narrado, na presença desta Magistrada e do representante do Ministério Público que aqui oficia, consoante se observa do termo de fls. 11.
 
Instaurado este procedimento, designada audiência instrutória, mais uma vez foi ouvido o eleitor João da Mata Lara, que novamente confirmou os fatos narrados na inicial, afirmando clara e francamente que foi procurado em sua residência pelo candidato Osmar e outras pessoas, os quais ofereceram o valor de R$ 1000,00 (um mil reais) pelos votos daquele cidadão e de seus familiares. Não bastasse isso, no dia seguinte, afirmou o eleitor, foi o mesmo novamente procurado pelo candidato Osmar, desta vez em seu local de trabalho, juntamente com o Prefeito Antonio Rodrigues, para a repetição da proposta de compra de votos. Eis os termos das declarações do eleitor aludido:
 
“(...) que confirma que foi procurado pelas pessoas de Igmar Boi, Osmas Resplandes e Professor Luiz em sua casa, os quais perqueriram do depoente o que o mesmo estava precisando. Que o depoente disse que estava devendo R$ 1.000,00 (mil reais) em virtude do falecimento de sua irmã. Que o depoente disse que tinha oito votos, porque tais pessoas perguntaram ao depoente o que o mesmo estava precisando em troca de votos. Que os votos que o depoente indicou que teria em troca do dinheiro seria os votos de quatro pessoas de sua família que moram com o mesmo e quatro pessoas que trabalham fora também parentes do depoente, Que não aceitou a proposta porque eles disseram que o depoente só receberia o dinheiro no dia 06/10. Que o dinheiro que o depoente receberia seria os R$ 1.000,00 (mil reais) de que estava precisando. Que no dia seguinte foi procurado no laticínio onde trabalha pelo candidato Osmar e pelo Prefeito Antônio que repetiram a proposta do dinheiro em troca dos votos mas o depoente não aceitou porque só receberia o dinheiro no dia 06/10. Que não sabe se alguém viu o prefeito e o Osmar no laticínio onde estava o depoente. Que os filhos do depoente Herbert e Ermete presenciaram a visita do candidato em sua residência. Que não pode afirmar com certeza que outras pessoas receberam propostas semelhantes. Que o oferecimento do dinheiro seria para votar nos candidatos Ronan e Osmar e em um vereador cujo nome não se recorda. Que o prefeito entregou os santinhos para o depoente quando o procurou no laticínio. Que o prefeito disse que não tinha como pagar na hora mas garantiu o pagamento no dia 06/10. (...) que o depoente não aceitou a proposta porque achou que depois da eleição não haveria interesse de pagar o dinheiro oferecido. Que o dinheiro que o depoente receberia (mil reais) seria em troca de votos, e o depoente usaria para pagar as despesas hospitalares de sua irmã falecida. Que não recebeu qualquer proposta para trabalhar como cabo eleitoral. Que não sabe como tomaram conhecimento desta denúncia. Que não pensou em denunciar porque não chegou a receber o dinheiro. Que no laticínio não há vizinhos.” (João da Mata Lara). – sublinhei
 
O filho do eleitor referido, Herbert da Silva Lara, confirmou os termos da proposta apresentada a seu pai, aduzindo expressamente que presenciou os fatos:
 
“(...) que estava presente em sua residência juntamente com o seu pai João da Mata Lara quando receberam a visita do Igmar Boi do candidato Osmar e do professor Luiz Sérgio. Que tais pessoas ofereceram dinheiro em troca de votos. Que perguntaram ao pai do depoente do que o mesmo estava precisando e ele disse que precisava de R$ 1.000,00 (mil reais) para pagar o hospital de sua irmã. Que perguntaram ao pai do depoente quantos votos teria na casa e ele disse que havia oito. Que o pai do depoente acabou não aceitando a proposta porque o pagamento seria somente no dia 06 e apenas se o candidato Ronan ganhasse. Que os votos deveriam ser do candidato Ronan. Que ouviu e presenciou quando as pessoas acima mencionadas ofereceram dinheiro ao seu pai em troca de votos. Que seu pai lhe disse no dia seguinte que foi procurado pelo candidato Osmar e pelo Prefeito Antônio em seu trabalho, oportunidade em que foi repetida a proposta de compra de votos. (...).” (Herbert da Silva Lara). – sublinhei
 
No mesmo sentido foram as declarações da terceira testemunha inquirida em Juízo, o outro filho do eleitor João da Mata, o qual confirmou os termos do que seu pai lhe disse:
 
“(...) que o depoente chegou em casa em certo dia, onde reside com a família inclusive o pai João da Mata e ali se encontravam o candidato Osmar, o senhor Igmar boi e o professor Luiz Sérgio. (...) Que o depoente não presenciou tais pessoas oferecendo dinheiro pelos votos, mas o pai do depoente lhe disse que isso havia ocorrido. Que tais pessoas disseram ao pai do depoente que pagariam R$ 1.000,00 (mil reais) pelos oito votos, para que votassem no Ronan e Osmar. Que não sabe se os votos também deveriam ser feitos para algum vereador. Que o pai do depoente disse que recusou a proposta porque eles pagariam apenas se ganhassem e após a eleição. Que o pai do depoente lhe disse que foi procurado no dia seguinte pelo prefeito Antônio e pelo candidato Osmar em seu trabalho, tendo sido repetida a mesma proposta. (...).” (Ermete da Silva Lara). - sublinhei
 
Registro que referidas pessoas, que prestaram os depoimentos acima transcritos, são cidadãos extremamente simples, notadamente o Sr. João da Mata Lara, mostrando-se, simultaneamente, indivíduos que prestaram declarações verossímeis, firmes e coerentes, que efetivamente convenceram esta Magistrada da veracidade da denúncia constante destes autos.
 
A par disso, entendo necessário registrar ainda que mencionados indivíduos não têm qualquer interesse pessoal na causa em exame, somente havendo se manifestado em Juízo em face de sua intimação após o recebimento dos termos da denúncia anônima por este Cartório Eleitoral.
 
Assim, à luz das declarações colhidas, ao norte mencionadas, vê-se que restou demonstrado, de forma inconteste, que o candidato Osmar Resplandes de Carvalho praticou a conduta prevista no artigo 41-A da Lei das Eleições, haja vista que ofereceu ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal, consistente em dinheiro.
 
De outro lado, não se mostrou nada convincente a versão dos fatos apresentada pela defesa dos representados, inclusive pelo Prefeito Municipal na oportunidade de sua oitiva perante este Juízo, no sentido de que procurou o eleitor para “saber” sobre o débito que aquele teria junto ao Hospital Regional de Rondonópolis.
 
Referida versão não se mostra coerente e lógica, notadamente pelo fato de que era notório, na época dos fatos, que o Prefeito Municipal estava participando ativamente da campanha eleitoral do candidato que apoiava (o candidato a Prefeito Ronan Figueiredo Rocha), mostrando-se muito improvável que tenha se deslocado até o serviço do Sr. João da Mata para verificar a questão referente ao débito na qualidade de Prefeito Municipal.
 
Sobre a questão, aliás, consoante bem colocou o ilustre membro do Ministério Público em suas alegações finais, consigno que causa estranheza a notícia dessa insistência incomum do Prefeito em resolver o episódio pessoalmente, bastando, se fosse realmente o caso, que se conferisse uma orientação quanto ao fato de atender o hospital referido pelo SUS, que não precisaria ser feita pessoalmente pelo chefe do Poder Executivo.
 
No mais, as declarações do segundo informante inquirido, da mesma forma, não convencem acerca da inocorrência da oferta de compra de votos já devidamente comprovada, mostrando-se, assim, igualmente inverossímil.
 
Assevero mais uma vez que, conforme também bem colocado pelo parquet nas derradeiras alegações, as declarações das testemunhas João da Mata e seus dois filhos, pessoas muito humildes mostraram-se firmes e seguras, não servindo os alegados desencontros entre um depoimento e outro quanto à matéria sequer ventilada nesses autos para ensejar qualquer invalidade do que foi por aqueles dito quanto ao fato que efetivamente se apurou neste processo.
 
Registro ainda que, em casos como o presente, não há outra possibilidade de prova senão a testemunhal, que se afigura perfeitamente válida e passível de plena utilização caso se mostre ampla acerca dos fatos, firme e coerente, como in casu. Nesse sentido, colha-se o julgado seguinte:
 
“Representação. Candidato eleito. Captação ilícita de votos (art. 41-A, Lei 9.504/97). Prova testemunhal. Validade. Registro e diploma. Cassação. A prova testemunhal só é contestável quando, diante de depoimentos divergentes, não é corroborada por outros elementos do conjunto probatório. Oferecer vantagem econômica a terceiros em troca de votos, em período eleitoral, configura ilícito eleitoral, sujeitando-se o candidato-infrator à cassação do registro e do diploma, bem como à imposição de multa.” (Decisão n. 388/2004 -  Santa Luzia D´Oeste/RO – Data 07.12.2004 – Relator:  WALTER WALTENBERG SILVA JUNIOR).
 
No mesmo lastro, entendo pertinente mencionar lição do Professor Athos Gusmão Carneiro, que em sua obra Audiência de Instrução e Julgamento e Audiências Preliminares, Editora Forense, 10ª Edição, 2002, leciona acerca do princípio da imediação, nos termos seguintes:
 
“De razoabilidade intuitiva, como proclamou Chiovenda, o princípio da imediação, ou da imediatidade, consiste em que o juiz deva ‘assistir à produção das provas donde tirar sua convicção, isto é, entrar em relação direta com as testemunhas, peritos e objetos do juízo, de modo a colher de tudo uma impressão imediata e pessoal’.” (Francisco Morato, ‘A Oralidade’, Revista Forense 74/141).
 
Assim, verifica-se, em casos como o presente, a relevância real do princípio da identidade física do juiz, ou seja, acerca da importância de ser o julgador do processo o mesmo magistrado que presidiu a produção da prova oral, permitindo que retire suas impressões, como in casu. Nessa situação, deparei-me com um testemunho sereno e seguro do eleitor aliciado, o qual é corroborado pelos igualmente coerentes depoimentos de seus filhos, todos compromissados, de modo que se mostra referida prova suficiente para a aferição da veracidade dos fatos narrados na exordial.
 
Destaco mais uma vez o fato de que, para a configuração do ilícito em referência, mostra-se desnecessário o efetivo recebimento, pelo eleitor, da vantagem pessoal oferecida. Nesse sentido, leciona o advogado e  outrora juiz de direito Adriano Soares da Costa, na revista Paraná Eleitoral, nº 50, outubro/dezembro/03, página 17:
 
“Para que o ilícito ocorra, não há necessidade de que o eleitor obtenha, de fato, vantagem pessoal ou algum bem do candidato. À incidência da norma basta a promessa ou o oferecimento de vantagem de qualquer natureza.”
 
No que tange à alegação de não participação, nos atos ilícitos devidamente comprovados nestes autos, do candidato Ronan Figueiredo Rocha, matéria essa que entendo consistir em mérito da ação, verifico que também não merece acolhida. Vejamos.
 
Consoante já relatado, a conduta do artigo 41-A da Lei n. 9504/97 consiste, entre outras, no oferecimento, ao eleitor, com a intenção de obter-lhe o voto, de bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza.
 
É certo, entrementes, que na maioria das vezes não é o próprio candidato que, diretamente, pratica essa ação. Diante disso, é evidente que se dispensa, para a caracterização de referido ilícito, a demonstração de que o candidato efetivamente aja nos termos do dispositivo legal acima mencionado.
 
Sobre a questão, diante dessa realidade, o TSE adotou a teoria da “anuência implícita” ou “teoria do pico do iceberg”, ou seja, diante do fato de que na maioria das vezes há um intermediário “negociando” os votos com os eleitores em nome do candidato, basta, à configuração do ilícito e aplicação de suas penalidades, a mera participação ou anuência do candidato.
 
Consoante leciona o brilhante professor Thales Tácito, já citado, “a lei não exige o poder da onipresença corruptiva” (op.cit., p. 750).
 
Nesse sentido, mostra-se relevante transcrever os entendimentos seguintes:
 
“(...) Jamais teremos, Sra. Presidente, Srs. Ministros, em feitos desta natureza, mais do que o pico ou a ponta do iceberg. Exigir que se tenha todo o esquema montado, na sua integralidade, é exigir o impossível. Daí a feliz escolha do iceberg. Basta lembrar o Titanic, que teria naufragado por conta de um iceberg totalmente submerso. Revelar  apenas a ponta do iceberg já demanda um esforço imenso, mas exigir que tenhamos todo o iceberg exposto é exigir o impossível, é negar a aplicação da legislação eleitoral”. (Trecho da manifestação da Procuradoria-Geral Eleitoral integrante do acórdão do RESPE n.º 21.264, Macapá/AP, relator Ministro Carlos Velloso, julgamento ocorrido em 27.04.2004).
 
“A estreita ligação está feita, a prova é concludente e o art. 41-A da Lei n.º 9.504/97 deve ser aplicada. Como bem salientou o ilustre representante do Ministério Público, se nós não caminharmos nessa direção no processo eleitoral – a de punir quem de qualquer forma pratica o ilícito, principalmente quando, como no caso, for o beneficiário, se não for nessa perspectiva, o art.41-A da Lei n.º 9.504/97, será da mais absoluta inutilidade”. (Trecho do voto do Ministro Luiz Carlos Madeira que acompanhou o relator, RESPE n.º 21.264Macapá/AP, relator Ministro Carlos Velloso, julgamento ocorrido em 27.04.2004). “
 
Sobre a questão, novamente vale à pena transcrever trecho da obra já referida do ilustre Professor Thales Tácito:
 
“Como é notório, muito raramente o próprio candidato será o autor direto e pessoal do ilícito eleitoral. Quase nunca ‘suja as mãos’.
Assim quase sempre haverá um intermediário – um cabo eleitoral, um secretário, um ministro, um parente, um aliado do mesmo partido ou coligação, etc.
Evidente que o candidato sempre negará conduta ilícita, dizendo que não teve participação direta, não tinha conhecimento da prática ilícita e que não tem controle sobre as ações de seu partido ou coligação, e muito menos sobre cabos eleitorais ‘apaixonados’.
Portanto, para configuração da captação de sufrágio, não há necessidade de prática direta e pessoal pelo candidato (...).” (p. 750).
 
Verifica-se que esses fundamentos aplicam-se perfeitamente ao caso em análise, haja vista que foi o próprio candidato a vice-prefeito da chapa em questão quem ofereceu a vantagem ao eleitor em troca de votos, o que, a meu ver, iniludivelmente implica a participação do candidato a prefeito, que com aquela conduta certamente anuiu.
 
Nesse sentido, consigno que se mostra evidente, da mesma forma, que aquela não deve ter sido a única família procurada pelos candidatos para a troca de votos por vantagens financeiras; afinal, quem pensa em vencer a eleição por esse caminho organiza essa nefasta prática, disseminando propostas ilegais e que, muitas vezes, infelizmente, além de não serem punidas, acabam sendo vistas pela população com grande naturalidade.
 
Questiono até quando nosso país enxergará com olhos de tolerância essa espécie de ilícito. O que me parece é que, infelizmente, a maior parte dos cidadãos não vislumbra, nesse tipo de crime e ilícito eleitoral, prejuízo à verdadeira escolha do candidato pelo eleitor e, o que é pior, muitas vezes passa a ver aquele candidato corrupto como uma pessoa de bom coração e imensa benevolência, que “ajuda” as pessoas com cestas básicas e outras regalias.
 
Foi o que se verificou, aliás, no caso em exame, em que o eleitor João da Mata Lara sequer percebeu a situação humilhante a que foi submetido; estando em débito de despesas hospitalares referentes a tratamento médico da irmã já falecida, recebeu proposta de entrega do valor da dívida, em troca de oito votos, a única forma que esse senhor pobre e sua família têm de escolher os seus representantes, as pessoas que, em nome dele e da população, têm a obrigação de zelar pelos mínimos direitos dos munícipes, entre os quais a própria saúde.
 
É com muita tristeza que reconheço que a mudança de consciência em nosso país, se vier, ainda levará muitos anos. A visão geral da maioria dos eleitores, ao menos sob a perspectiva da realidade com a qual venho lidando, é a de que, se não receber o valor pela venda do voto, vantagem nenhuma advirá da administração municipal realmente, com a realização de obras e o fornecimento de serviços públicos. Então, a época eleitoral se torna uma grande “festa”. A “festa” não da democracia e da escolha livre dos candidatos pelos eleitores, como deveria ser, mas a festa do “quem dá mais pelo meu voto”, ou “chegou a hora de receber o valor para pagar aquela conta que estou devendo”.
 
O eleitor João da Mata Lara, com muita simplicidade, repetiu claramente a esta Magistrada, na presença do Promotor de Justiça, que somente não aceitou a proposta de venda de seu voto e dos votos de toda a família porque ficou na dúvida sobre se receberia o dinheiro no dia 06 de outubro, quando já encerrada a eleição. Percebi na maneira como referido cidadão descreveu o ocorrido que, em sua visão, seria muito natural a venda dos fotos caso o valor tivesse sido pago naquele exato momento em que recebeu a oferta, “à vista”. Tudo muito simples: ele precisava do dinheiro, e “apenas” teria que votar naqueles candidatos para recebê-lo. Afinal, que valor tem o voto, o voto verdadeiro, livre e consciente? Sob a perspectiva daquele eleitor, valor nenhum.
 
Retornando à análise acerca da participação do candidato Ronan, registro que, ainda que não fosse o caso de se aplicar a teoria do pico do iceberg, que entendo plenamente cabível no caso dos autos, há de se considerar a questão da “contaminação da chapa”, assim descrita pelo já referido Professor Thales Tácito:
 
“(...) contaminação da chapa – atinge o inocente, já que a chapa é una e indivisível (art. 91 do CE), pois há presunção de que o inocente foi beneficiado com a compra de voto”. (op. cit., p. 753).
 
Sobre a matéria, colham-se ainda os julgados seguintes:
 
“RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. PREFEITO, VICE-PREFEITO E COLIGAÇÃO. PRELIMINARES: 1. INTEMPESTIVIDADE. REJEITADA. APLICAÇÃO DO ART. 184 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 2. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO PREFEITO. REJEITADA. INDIVISIBILIDADE DA CHAPA MAJORITÁRIA. A EVENTUAL CONDENAÇÃO DO VICE-PREFEITO PODERÁ ACARRETAR A CONTAMINAÇÃO DA CHAPA COMO UM TODO. 3. LITISPENDÊNCIA. REJEITADA. (...).” (TRE-MG; RCED 1882005; Rel. Min. Antônio Romanelli; Julg. 19/06/2006; DOEMG 03/08/2006; Pág. 78). (sublinhei).
 
“RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL DO ART. 22, DA LC 64/90. Conjunto probatório harmônico e coerente, conduzindo à comprovação da reiterada prática do abuso de poder político e econômico. Manifesta infringência aos princípios da legalidade, moralidade e supremacia do interesse público sobre o privado. Possibilidade de comprometimento da lisura e normalidade do pleito plenamente vislumbrada. Precedentes do TSE. Candidato a vice-prefeito. Embora não tenha praticado diretamente os atos increpados, faz-se beneficiário direto deles. Contaminação da chapa. Correta a cassação do registro de sua candidatura, sem declarar-lhe, porém, a inelegibilidade. Não conhecimento do recurso de investigada absolvida, por carecer de interesse. Conhecimento e desprovimento da irresignação dos demais investigados. (TRE-RJ; RECREP 17; Ac. 21.336; Silva Jardim; Rel. Juiz Luiz Carlos Salles Guimarães; Julg. 09/04/2001; DOERJ 19/04/2001; Pág. 03) (Publicado no DVD Magister nº 09 - Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007). (sublinhei).
 
“(...) 2. A inelegibilidade em decorrência de rejeição de contas do candidato a prefeito declarado eleito (LC no 64/90, art. 1o, I, g) e a conseqüente cassação do registro contaminam o registro do candidato a vice-prefeito da mesma chapa (...)”. (Ac. no 184, de 26.3.2002, rel. Min. Sepúlveda Pertence).
 
“(...) se ocorrer a cassação do registro ou do diploma do titular após a eleição – seja fundada em causa personalíssima ou em abuso de poder –, maculada restará a chapa, perdendo o diploma tanto o titular como o vice, mesmo que este último não tenha sido parte no processo, sendo então desnecessária sua participação como litisconsorte (...).”(Ac. no 19.541, de 18.12.2001, rel. Min. Sálvio de Figueiredo).
 
Assim sendo, por todos os fundamentos acima colocados, é certo que toda a chapa resta maculada, haja vista sua indivisibilidade, não se havendo que falar, por conseguinte, em aplicação das sanções do artigo 41-A da Lei n. 9504/97 apenas ao vice-prefeito eleito.
 
Diante de tudo quanto foi exposto, e por tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a representação inicial, por reconhecer que houve a captação ilícita de sufrágio na eleição havida em 05 de outubro de 2008 neste Município de Poxoréu/MT, razão pela qual casso os registros dos candidatos Ronan Figueiredo Rocha e Osmar Resplandes de Carvalho e aplico-lhes multa correspondente a cinco mil UFIRs.
 
Expeça-se o necessário e adotem-se todas as providências pertinentes ao cumprimento da presente decisão.
 
Após, transitada em julgado, arquive-se, com as baixas de estilo.
 
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
 
Cumpra-se.
 
Poxoréu/MT, 30 de outubro de 2008.
 
Aline Luciane Ribeiro Viana Quinto
Juíza Eleitoral
 

ícone mapa

Av. Historiador Rubens de Mendonça, 4750, Centro Político e Administrativo, Cuiabá-MT CEP 78049-941 - Brasil

Secretaria do Tribunal: 
+55 (65) 3362-8000 /
Fax: (65) 3362-8150

Disque Eleitor: 0800-647-8191

Ícone Protocolo Administrativo

Horário de atendimento:

Dias úteis - 07:30h às 13h:30;